segunda-feira, 25 de julho de 2011

"Glória feita de Sangue"

Desce a colina para jogar futebol. A manhã está ensolarada. Poucas nuvens diformes tentam, em vão, contrariar a metereologia. Crianças risonhas brincam, dando piparotes desgovernados pela rua. Pipas coloridas enfeitando o céu com seu bailar desmusicado, como em um musical do cinema mudo. O sábado desenha-se alegre e prometedor de um ensolarado agradável.

Encontra amigos distantes, que nunca vê, e desconhecidos próximos que vê sempre. A cordialidade com que todos se cumprimentam, nem de longe sugere a contenda sangrenta que está por vir: todos ali gostam dos amigos, dos conhecidos e até dos desconhecidos. Mas ninguém ali gosta de perder. O homem de preto, detentor da lei suprema do apito, prepara-se para o início da batalha.

Eis que o astro-rei, em sua condição de rei, parece não dar bola para as pretensiosas promessas de um reles sábado, que é apenas sexto na hierarquia semanal. Nuvens negras e pesadas pintam de triste o céu outrora azul anil. É o prenúncio da guerra. Toca-se o apito. Troveja o trovão. Soam juntos como o trombetar dos Deuses.

Rola a bola. Cai a chuva. Homens correm, gritam. Uma luta sem quartel. Disputa feroz. Stalingrado. Normandia. Vietnã. Batalha de Deuses. General Custer e Touro Sentado. Americanos e russos. Judeus e palestinos. Brasil e Argentina. Japão e Godzila. A pobre pelota, vítima de um amor bandido, perseguida e disputada. Chutada e espancada.

Oitenta e nove minutos. Cheiro de grama molhada, lama e sangue. Um homem caído na entrada da área. Soldado atingido no cumprimento do dever. Ouve-se o apito. E o trovão. É dada a sentença: querem os Deuses que este simples soldado raso seja o responsável pelo destino da Guerra. Levanta-se com a ajuda dos companheiros.  Bola na marca. Último lance. A disputa agora é entre ele e o goleiro.

O primeiro, soldado recruta, em sua primeira batalha, treme. O segundo, herói de guerras condecorado, confiante, olha para o recruta e sorri. Encaram-se. Por um segundo, o recruta fecha os olhos. Concentra-se. Pede ajuda aos Deuses do futebol. Abre os olhos. Encontra-se agora num mar de tranqüilidade. Sabe que não está sozinho. Todo seu time o apóia e confia nele.

Soam as trombetas celestiais. Ele chuta. Uma explosão de vozes, gritos e urros da torcida e de seus companheiros. É a sua consagração. Num gesto de aprovação, ressurge o astro-rei, para saudar o novo astro. Fim de jogo. E fim da história.

Jomar Freitas