-Burguesada...
-Aproveitem, aproveitem. A mais-valia vai acabar.
Uma jovem senhora passava pela calçada em frente todos os dias à mesma hora. Bonita. Elegante. Entrava no seu monza branco e saía, sem nem fazer sinal. Dona do mundo.
-Olha só.
-Hoje está de botinha. Veja você.
-Sabe quanto custa o casaco? O meu salário não paga uma manga.
-Essa tá marcada.
-Ah, tá.
-Quando chegar o dia ela vai ver.
-Tribunal do povo.
-Não. Dessa eu mesmo me encarrego.
-Ah, é?
-Mando prender. A do monza branco. Mecha no cabelo. Tragam pro meu escritório.
-E ela chega.
-Ah, chega. Nesse passinho dela. Muito petulante. Bonitinha e tudo. "Exijo meus direitos."
-Rá! Direitos...
-Agora a lei somos nós, madame. Tire esse casaco!
-Isso.
-Ela vai me olhar com medo. Vai dizer "por favor, não me machuque. Olha, eu era até meio PT". Vai chorar um pouquinho. O beicinho vai tremer.
-E você, firme.
-Sei não...
-O quê?!
-É que. Sei lá.
-Vai firme, cara.
-Aí eu pego ela e... e beijo.
-Beija?
-Beijo ela toda. beijo os pés dela. Fujo com ela!
-Pô, cara - disse o outro, decepcionado - me admira você.
Ficaram olhando enquanto a jovem senhora entrava no monza branco e arrancava, sem nem olhar para o lado. Sem saber que ele existia, e o que fizera por ela.
Luis Fernando Veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário